Un articolo di Philippe Van Parijs sulla coppa del mondo ed il reddito di base
Copa do Mundo e Renda Básica de Cidadania 22 de junho de 2010 |
Philippe Van Parijs – O Estado de S.Paulo
Aos olhos do mundo, o Brasil tem ido muito bem nos últimos anos. Uma das áreas que atraíram a atenção foi sua luta contra a pobreza. Em parte, pelo que já alcançou com o Bolsa-Família. E, em parte, por causa da perspectiva ambiciosa que o governo brasileiro deu a todos os programas sociais quando, em janeiro de 2004, o presidente Lula sancionou uma lei que estabeleceu o objetivo de uma Renda Básica de Cidadania para todos os brasileiros.
Em todo o mundo, esse arrojado passo veio como uma surpresa. Quando o debate internacional sobre o ideal de uma renda básica universal se desencadeou, nos anos 80, era óbvio que essa era uma ideia restrita aos países mais ricos. Muitos desses países haviam introduzido programas de renda mínima, pelos quais chefes de família pobres têm o direito a um benefício porque são registrados como desempregados ou porque sua renda declarada é menor que certo patamar. Mas, desde que achem um emprego, o benefício é cancelado ou reduzido: o esforço é punido com a retirada do benefício. Daí o desenvolvimento da “armadilha do desemprego” em que pessoas tendem a cair.
Na Europa Ocidental, na América do Norte, mais tarde no Japão e na Coreia, acadêmicos e ativistas começaram a propor que esses benefícios focalizados não fossem cancelados, mas universalizados na forma de uma Renda Básica de Cidadania paga a todas as pessoas. Se todos receberem o benefício, não apenas os pobres, estes não estarão mais presos numa armadilha da pobreza. Também não haverá nenhum estigma, porque os ricos e os pobres o receberão. Não é o objetivo dessa universalização fazer os ricos ainda mais ricos, pois o sistema de Imposto de Renda deveria ser ajustado para que os ricos financiem seus benefícios.
Tudo isso faz muito sentido, parece, nos países mais ricos que já experimentaram sistemas focalizados de transferências e descobriram seus efeitos perversos, mas não em países com um incipiente Estado de bem-estar. Entretanto, logo se ouviram vozes no Brasil, na África do Sul, no México, na Argentina e noutros países afirmando o contrário. Os que acreditavam que uma Renda Básica de Cidadania se espalharia primeiro nos países mais ricos, dizem, estão tão errados quanto Karl Marx, quando ele afirmou que uma revolução socialista poderia ocorrer somente num país altamente industrializado. Por quê? A razão fundamental é que os sistemas de benefícios dependentes da renda das pessoas são particularmente difíceis de administrar quando uma alta proporção da população vive um pouco acima da linha da pobreza e trabalha na informalidade.
Compreendi este ponto quando o senador Eduardo Suplicy me levou para visitar uma repartição em São Paulo na qual os administradores públicos verificavam se as pessoas que se inscreviam no Programa Bolsa-Família se qualificavam para receber o benefício. Um homem com os óculos quebrados tinha de se lembrar quanto ganhou no ano passado, ora trabalhando, ora não, num posto de gasolina e quanto sua esposa havia ganho como arrumadeira de diversas casas e esporadicamente ao vender mercadorias na feira local. Para muitas pessoas vivendo em dificuldades é compreensivelmente difícil lembrar essas coisas com grande precisão. O risco de haver arbitrariedade, injustiça, clientelismo e corrupção está em toda esquina.
A única solução estrutural, com uma economia em grande parte informal, consiste em fazer o sistema de benefícios universal, financiá-lo com recursos públicos e que não use a renda pessoal como a base da taxação.
O Programa Bolsa-Família é um esquema baseado na renda familiar por pessoa. Como é dependente da renda, é vulnerável por todos os argumentos mencionados, mas representa um progresso. Esses obstáculos fazem com que possamos olhar para além do Bolsa-Família em direção à Renda Básica de Cidadania.
Para caminhar em direção a esse destino é necessário fazê-lo gradualmente com uma reforma tributária. Pode ser combinado com a obrigação da frequência à escola, na medida em que essa obrigação realmente venha a prover um benefício adicional de educação, para quem de outra forma ficaria sem ela, em vez de se retirar a segurança de renda das famílias mais frágeis. Qualquer condição imposta além do requisito da renda precisa ser avaliada em termos de quais desses dois tipos de efeitos vão prevalecer. Por exemplo, quanto mais exigente for a condicionalidade em termos do desempenho educacional, o mais provável é que as famílias em pior situação sejam penalizadas.
É desnecessário dizer que a Renda Básica de Cidadania, assim como o Programa Bolsa-Família, não são panaceias. Eles precisam ser parte de uma política social mais ampla, que também abranja o acesso universal à água e à energia elétrica, a um nível decente de educação básica e aos cuidados com a saúde para todos. Mas a Renda Básica de Cidadania é parte central de qualquer conjunto de políticas que podem ser seriamente colocadas para combinar os objetivos de “fome zero” e de “emprego para todos” em circunstâncias contemporâneas.
A experiência brasileira é notável, mas ainda está longe de chegar ao fim da estrada. Será comparada com as experiências de outros países e submetida a um escrutínio simpático, porém crítico, de um grande número de acadêmicos de muitos países por ocasião do 13.º Congresso Internacional da Basic Income Earth Network (Bien), ou Rede Mundial da Renda Básica, que se realizará na Universidade de São Paulo em 30 de junho, 1.º e 2 de julho próximos (ver www.bien2010brasil.com).
Pode o Brasil mostrar o caminho a outros países indo ainda mais longe do que o fez em direção a uma genuína Renda Básica de Cidadania? Sem dúvida, será mais difícil do que vencer a Copa do Mundo mais uma vez. Mas para muitas pessoas nesse país e em todo o mundo é muito mais importante.
PROFESSOR DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE LOUVAIN E DA UNIVERSIDADE HARVARD, É CHAIRMAN DO CONSELHO DA BIEN
Pubblicato sul “Estado de S.Paolo” giornale brasiliano a giugno 2010